quinta-feira, 28 de junho de 2012

Escada rolante, para que te quero?

Dia desses, no metrô Consolação, em um horário fora do rush, subi de escada rolante e cometi o imperdoável erro de ficar à esquerda. Distraído, não me lembrei que esse lado da escada é reservado para aqueles que, de tão apressados, precisam ainda subir andando ou correndo na escada rolante. Um rapaz, demonstrando imensa irritação, criticou-me quando juntos chegamos ao topo, próximo às catracas de saída. "Da próxima vez você fique à direita, porque você me atrapalhou muito!!!", disse ele, um pouco esbaforido por ter percorrido todo o trajeto ascendente pela escada comum. 

O rapaz estava correto: eu realmente atrapalhei a circulação e ele, que devia ter algum compromisso muitíssimo importante, teve que sofrer as agruras de subir a escada "a pé". Não lhe ocorreu, claro, pedir licença, afinal seria afronta ele pedir licença a alguém que estava usurpando-lhe um direito! Lembro-me que alguns segundos depois que pisei no primeiro degrau, olhei para trás para ver se vinha alguém. Ninguém. Continuei o restante do trajeto tranquilo. Imagino que ele deva ter chegado logo depois, visto lá de baixo que eu estava bloqueando a passagem e, com a fúria de um titã, resolvido subir na escada ao lado. 

Se a escada é rolante, é ela quem deveria rolar e o usuário apenas seria conduzido de baixo a alto e vice-versa, sem esforço. Mas há alguns anos existe uma placa nas escadas indicando que o lado esquerdo deve ser deixado livre para circulação. Nunca li nada a respeito, mas tenho certeza de que essa ideia do Metrô não visa somente a apaziguar a pressa dos usuários. Andar de metrô está cada vez pior, o número de linhas é insuficiente para o tamanho da cidade e nos horários de pico faz uma diferença enorme deixar a esquerda livre, pois isso permite que os usuários saiam das plataformas, e por conseguinte da estação, mais rapidamente.

Resumindo: juntou-se a pressa dos paulistanos com a má gestão para melhorar os serviços do Metrô. E o que vem acontecendo nas escadas rolantes é apenas o sintoma mais leve disso.

Deixe a esquerda livre ou alguém pode te xingar...


terça-feira, 26 de junho de 2012

Vai discordar ou vai de bullying com a Gillette?


Em tempos nos quais o bullying é discutido quase que diariamente em programas de televisão, rádio, revistas, jornais, escolas e universidades, um comercial no qual uma pessoa é constrangida a trocar de produto simplesmente pelo apelo da força física de outros não me parece uma ideia construtiva. OK, a primeira alegação a favor do comercial é de que ninguém ameaça o rapaz verbalmente. É verdade, mas a situação que se configura dispensa ameaças verbais: ele está cercado por uma série de homens muito mais fortes que o acusam de estar amarelando, uma dupla referência tanto à cor do produto pelo qual ele havia optado e, mais importante, quanto ao fato de que ele estaria se acovardando ao escolher um produto que não é visto como "campeão".

 O comercial pseudoengraçado

"Ah, mas é só um comercial". Sim, é só mais um comercial fazendo apologia de coisas que não prestam. Assim como muitos comerciais de cerveja repetem diariamente que as mulheres não passam de objetos sexuais aptos a buscar cerveja geladinha para seus namorados/maridos. Não há sequer uma frase dizendo porque o produto azul é melhor do que o amarelo.

O rapaz chega a dizer "Que é isso, pessoal, vocês entenderam errado, eu vou é de Gillette mesmo." Ou seja, acuado, ele troca o produto e assume a preferência que lhe está sendo imposta. Acredito que esse tipo de imagem construída em comerciais como esse estimulem a encarar o bullying como algo normal. Com certeza alguns dirão: "Ah,  mas o comercial é para adultos." Não importa, porque crianças também o veem. E o pior de tudo, elas podem pensar que se o bullying (ou assédio moral, para quem preferir) é comum no mundo adulto, por que não seria no universo infantil e adolescente? Esse tipo de atitude, que constrange a ação de outros, é sempre bem vista por quem gosta de exercer formas de poder desproporcional.

Com certeza, a próxima vez que for comprar lâmina de barbear, não será dessa marca azul. Vou AMARELAR com gosto!

sexta-feira, 30 de março de 2012

O mundo das Letras - com verdadeiras e falsas lembranças

Por diversão, entrei na brincadeira de alterar as legendas a partir da imagem de abertura da série As Brasileiras, referindo-me ao universo do curso de Letras. Isso foi muito mais uma brincadeira com as minhas amigos e meus amigos que fizeram esse curso comigo na FFLCH-USP e com quem compartilho lembranças deliciosas de anos de estudos, bate-papos e muita discussão. 

O resultado está aí. Espero que gostem!



Versão vertical: 



domingo, 25 de março de 2012

O autor à frente de seu público - o caso "Fina Estampa"

O final de Fina Estampa está causando uma verdadeira enxurrada de comentários, especialmente no Facebook. Um verdadeiro mar de pessoas sofredoras, indignadas, tristes, revoltadas etc. com o final da novela. Comecei a me perguntar por que o final foi tão decepcionante assim (não para mim, claro!) e aqui tentarei traçar algumas questões. 



Todos queriam saber quem era o amante de Crô, o tal com o escorpião tatuado no pé. Pois bem, Aguinaldo Silva não quis nomear um personagem, deixou a questão em aberto. Isso magoou muita gente, afinal é muito importante (especialmente para os heterossexuais, diga-se de passagem, mas não exclusivamente, que fique claro) saber quem é gay e quem não é. Um gay à solta sem identificação muitas vezes "prejudica os trabalhos" dos heterossexuais: homens heterossexuais  não sabem se o amigão do peito que eles julgam tão macho quanto a si mesmos pode ter uma vida paralela e mulheres heterossexuais ficam em dúvida se o "homem" com quem estão saindo ou desejam é realmente  o macho alfa com quem elas vão casar e ter filhos. Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter entregado um nome ao público. Ainda hoje há mais gays trancadinhos no armário do que fora dele. Muitos gays de armário, por exemplo, são casados, têm filhos, jogam futebol etc., portanto é muito bom ter deixado essa "dica" para o público: o amante de Crô pode ser qualquer um. É mais importante saber que ele existe do que saber quem ele é. 

E Baltazar, era gay? Também correrá por conta da imaginação do público. Ele diz a Crô: "Estou aqui te pedindo para sair do armário. Ou melhor, estou te implorando, porque a vida não tem a menor graça sem você aqui fora." Uma declaração de amor torta, como disseram alguns? Não necessariamente. Será que seu pedido de que Crô saia do armário não é o seu próprio desejo de sair? É uma possibilidade. O que aconteceu antes dessa suposta declaração torta não pode ser deixado de lado. Baltazar foi abusivo (física e emocionalmente) com a esposa e a filha boa parte da novela, o que poderia ser um sinal de ódio a elas (e por extensão ao convívio familiar), uma forma de externar o desejo reprimido de ter uma vida com outro homem (ou uma vida sem família, por que não?). A sua constante negação de ser gay também é outro fator. Ninguém precisa ter feito curso de psicanálise para saber que muitas vezes as negações significam afirmações e vice-versa. Afinal, ele continua trabalhando para Crô. Se tinha tanta aversão a gays assim, por que vai aceitar ter um como patrão e não procurar outro emprego? Ele é um motorista experimentado, há anos na função. A própria Tereza Cristina disse repetidas vezes que só não o demitia porque ele era um profissional bem treinado para a função. Essa foi outra construção excelente de Aguinaldo Silva. Ao final, o autor não diz que sim, nem que não, deixa a questão para se pensar, ao mesmo tempo em que dá uma belíssima bordoada em boa parte dos gays: Crô diz que fundou o Centro de Amparo ao Homossexual Pintoso porque os pintosos (afeminados) são os que mais sofrem preconceito, inclusive dos próprios gays. O que poderia ser um discurso unilateral, ganha força pela capacidade de o autor mostrar que em questões desse tipo criar uma "guerrinha de sexos" não leva a nada.. 

E a Tereza Cristina, que voltou com uma bela gargalhada escrachada? Ótimo, na minha opinião. No país em que vivemos, onde a justiça faz troça com a cara da população todos os dias, uma personagem como ela não merecia morrer nem ficar louca (que seriam finais aceitáveis até o final da década de 1990). Sua volta me fez lembrar a vitória de Maria de Fátima em Vale Tudo, quando no último capítulo ela deixa o filho com a  mãe e vai viver com o marido nobre, um casamento rentável e que lhe permite manter o amante. No final da década de 1980, Vale Tudo antecipava um comportamento que viria a se tornar comum: a busca desenfreada por dinheiro e status. Acredito que Fina Estampa não antecipa um comportamento, mas esfrega um na cara do público: quem tem dinheiro faz praticamente o que quer, pois a justiça é lenta lentíssima para enquadrá-los. Quem acompanhou a novela viu isso claramente. Mais importante do que achar ridículo ou legal Tereza Cristina ter voltado, é entender o porquê da volta. E Griselda faz parte disso, afinal ela foi a mulher correta, guerreira, que não fez nada de errado, que criou os filhos com sacrifício e blá blá blá, mas para pessoas como Tereza Cristina ela não é nada (mesmo com 50 milhões na conta) e nunca será, pois tais dignidades não contam. Sua risada escrachada no final devolve à heroína Griselda a vulnerabilidade que ela pensava não ter mais. Em um mundo com tantas Terezas Cristinas à solta, talvez a única solução seja contar com o final que teve Odete Roitman: um assassinato, ainda que por engano - contras as mentalidades, não as pessoas, evidentemente...






Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter escrito um final óbvio! Te aguardo na sua próxima novela das nove!


quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia Mundial do Teatro

Hoje é dia Mundial do Teatro! Para comemorar, uma singelíssima homenagem à minha tragédia grega favorita: Medeia, de Eurípedes. 

Além de ser minha tragédia favorita, Medeia também está no título do meu blogue e já foi tema de um minicurso que lecionei aqui no Vale. Considero-a uma tragédia desafiadora pela força da narrativa que tem se mantido em diálogo com as paixões humanas desde que foi criada, em 431 a.C. até os dias de hoje. 

Para quem não conhece, Medeia, a protagonista que dá nome à tragédia, é esposa de Jasão, com quem tem filhos. A tragédia se inicia quando Medeia já foi abandonada pelo marido, pois ele vai se casar com Glauce, uma mulher mais jovem, filha de um rei e que pode oferecer um futuro digno aos filhos. Só que Medeia fez tudo que pôde por Jasão desde que o conheceu. Sendo uma feiticeira poderosa, ajudou-o a conseguir o velocino de ouro, que permitiu que ele assumisse o trono de Iolco na Tessália. Medeia mata inclusive seu próprio irmão a fim de que isso retarde a busca do pai dela, que não quer que ela fuja do reino com Jasão. Esses feitos, porém, não são presentificados na tragédia, mas sim rememorados  nela ou citados em fontes de outros autores. A mitologia clássica é muito rica, pois há diferentes versões as narrativas. 

 
Maria Callas como Medeia no filme de 1969 de Pier Paolo Pasolini 
(a imagem no topo do blogue é do mesmo filme) 


Arrasada com a decisão de Jasão e após muita luta com sua própria consciência, ela decide se vingar do marido e de sua futura esposa. Para isso, pede desculpas pelas atitudes desesperadas que têm tomado e envia como presente um véu e uma tiara para Glaucia, a noiva. Ao colocá-los na cabeça, o presente revela a verdadeira intenção de Medeia: véu e tiara estavam enfeitiçados e provocam uma morte terrível à pobre jovem apaixonada por Jasão. Sem o casamento real, resta a Jasão confrontar a esposa abandonada. E quando ele o faz, Medeia acabara de matar seus filhos, retirando de Jasão tudo que ele tinha: a perspectiva de uma vida nova casado com uma princesa e a chance de prosseguir com sua descendência. 

Medeia prestes a matar os filhos, de Eugène Delacroix, pintura de 1838, é uma das inúmeras representações sobre a protagonista da tragédia Medeia, de Eurípedes 


Se até agora Medeia pareceu cruel e ardilosa, ainda há um detalhe: ela não será punida. Quando Jasão a confronta e quer puni-la pelos crimes que cometeu, ela categoricamente avisa que ele nada conseguirá, pois o deus Sol (avô de Medeia) lhe enviara uma carro flamejante que a levará para Atenas, onde terá a proteção do rei Egeu, a quem no meio da narrativa fizera uma troca: o rei a protegeria de qualquer ataque e ela lhe ajudaria, com seus poderes de feiticeira, a ter filhos. 

Medeia nega o pedido de Jasão para enterrar os filhos: "Não é possível; são palavras vãs", diz ela, voando com os filhos mortos no carro flamejante, enquanto Jasão se lamenta com Zeus e o Corifeu encerra a tragédia.  


Renata Sorrah e José Mayer na encenação de Medeia (2004) no Rio de Janeiro 

Quem tiver interesse em ler a tragédia, indico as traduções de Mario da Gama Kury, publicada pela Jorge Zahar, e de Trajano Vieira, publicada pela Editora 34. Ambos tradutores excelentes, profundos conhecedores da língua e da cultura grega. 

                Tradução de Mario da Gama Kury                        Tradução de Trajano Vieira

                                           

quinta-feira, 8 de março de 2012

Não se nasce mulher. Torna-se mulher.

Essa frase-constatação está no livro O Segundo Sexo, que Simone de Beauvoir publicou em 1949. Me impressiona ver que após 63 anos da publicação de um livro seminal como este ainda existam mulheres da nova geração que acreditem que ser mulher é uma questão apenas biológica, que vem acompanhada de um pacote de comportamentos fixos.

Simone de Beauvoir - filósofa e ficcionalista francesa

Replicam-se por estes dias os clichês nas redes sociais - especialmente por causa do Dia Internacional da Mulher - sobre a "alma", a "essência", o "verdadeiro" sentido de ser mulher. Nesses clichês, a mulher é esposa, é mãe, trabalha fora, é dona-de-casa, vai a todas as festinhas de família, tudo isso conciliado com a academia, o regime, estando bonita para o marido e para as amigas. Enfim, é uma mulher praticamente biônica. E eu sempre me perguntei: qual é a grande vantagem disso? 

As mulheres ganham, em média, 25% menos que os homens. A alegação mais comum recai sobre o fato de que elas engravidam e oneram a folha de pagamento, já que ficam muitos meses afastadas. Pois bem, se as mulheres não engravidassem, a vida no planeta acabaria em menos de cem anos, não é mesmo? Portanto, isso não é desculpa. Só elas geram filhos, então não podem ser penalizadas por isso. O curioso é que na época do Dia das Mulher todo mundo fala da "dádiva" feminina de dar à luz, mas na hora de pôr a mão no bolso, aí a dádiva se torna um transtorno.

A ditadura da beleza, embora hoje recaia sobre os homens também, é muito mais cruel com as mulheres. Basta ver os comerciais de cerveja: elas estão sempre lindas, gostosas, exalam sexualidade e nenhum cérebro. Os homens são sempre os espertos, têm comportamentos abusivos - em um comercial que está indo ao ar agora, eles se tornam invisíveis e se dão o direito de tocá-las, enquanto elas apenas correm soltando gritinhos infantis. Não é à toa que em outros países (os nórdicos, por exemplo), esse tipo de comercial não teria sequer a chance de ser exibido.

Um comercial machistoide (um entre tantos, infelizmente)


No Brasil, ainda há uma grande parcela de mulheres acreditando que o curso natural de suas vidas é se casar e ter filhos. Nada contra o casamento e as crianças, mas isso deve ser algo pensado como escolha, não como uma condição para uma vida feliz.

O feminismo hoje ainda tem muito a dizer, basta as mulheres quererem ouvir. E a primeira dificuldade talvez seja entender o feminismo na raiz de suas propostas. Assim, as mulheres que ainda aceitam que os passos de suas vidas sejam ditados pelos interesses alheios (dos homens, claro) poderão refletir sobre as contribuições do movimento, olhando-o com seus próprios olhos e não pelo filtro que os homens criaram para combater o movimento - afirmando, por exemplo, que toda feminista era mal amada, ou lésbica, ou detestava os homens. Esse tipo de ataque ao feminismo visava única e tão somente enfraquecer o movimento e reforçar que as mulheres felizes eram aquelas que tinham marido, filhos e uma casa para se ocupar. 

Se não me engano foi a feminista norte-americana Gloria Steinem quem disse: "Uma mulher precisa de um homem como um peixe precisa de uma bicicleta". A frase, tomada no sentido do ódio aos homens, talvez tenha afastado muitas mulheres do movimento. Mas fez com que outras se aproximassem e entendessem o verdadeiro sentido do que ela disse: a mulher não precisa do homem, ela se relaciona com ele e esse relacionamento deve ser bom para ambos, não apenas para ele. No sentido da necessidade, a mulher realmente não precisa de ninguém além dela mesma (e o mesmo vale para os homens).

Gloria Steinem explica o feminismo (sem legendas)

O que em geral as pessoas veem como radicalismo das feministas - chamadas por alguns de feminazistas (quem diz isso nem deve ter noção do horror que foi o nazismo...) - na verdade não passa do profundo desejo de manter a mulher "no seu lugar", ou seja, prosseguir com a opressão. Porque o que as feministas têm cobrado ao longo das décadas é simplesmente aquilo que diz respeito à igualdade (econômica, social, política etc.) de gênero, respeitando as diferenças intrínsecas entre os gêneros. Mas o primeiro argumento dos machistas de plantão é sempre esse: "Ah, vocês querem condições iguais, então venham carregar pacote de 30 quilos". 

E esse tipo de argumento não para por aí. Uma mulher não está de bom humor, então é mal amada ou está de TPM. Um homem não está de bom humor, ninguém fala nada. Uma mulher faz denúncias contra o marido, ela é louca, recalcada. Um homem faz denúncias contra a mulher, ele é corajoso. O cabelo da mulher não está arrumado, ela é desleixada, não se cuida, está com problemas. Se for o homem, ninguém nem comenta. Isso sem entrar realmente no mérito das mulheres que são atacadas terem posturas firmes - vide Margaret Thatcher, Angela Merkel e Dilma Roussef, entre tantas - taxadas de serem masculinas no visual e nas atitudes, como se toda mulher tivesse que ter aparência de Barbie e delicadeza das palacianas do século XIX.

Dilma Rousseff e Margaret Thatcher
Dilma Roussef e Margaret Thatcher: gostando-se ou não da atuação das mulheres 
na política, o preconceito de gênero as acompanha constantemente.

Como bem escreveu Simone de Beauvoir, "Não se nasce mulher. Torna-se mulher". O desafio, portanto, é se livrar dos estereótipos cotidianamente lançados e ter o desejo de se reinventar para sim, não para os outros.

Muitos põem em dúvida a necessidade de um Dia Internacional da Mulher como o 8 de março. A alegação mais esdrúxula é que não existe um dia do homem. Claro, os homens nunca foram oprimidos em termos de gênero. Nunca houve, pelo menos em massa, uma sociedade matriarcal que oprimisse os homens. Os homens não precisam de um dia para lembrar que sofrem com a desigualdade simplesmente pelo fato de que eles não sofrem!

Sendo assim, desejo a todas as mulheres não um feliz, mas um reflexivo Dia Internacional da Mulher. Não tanto pelo que já foi conquistado, mas pelo que ainda há de ser.


sábado, 18 de fevereiro de 2012

Tennessee Williams no Carnaval de São Paulo

Voltará em cartaz nesta segunda-feira, 20 de fevereiro, Alguns Blues do Tennessee, programa de três peças curtas do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams (1911-1983). 

Alguns Blues do Tennessee estreou em 2011, em comemoração aos 100 anos do nascimento de Williams. As peças que compõem esse programa são: O Quarto Escuro (The Dark Room, escrita ca. 1939), Verão no Lago (Summer at the Lake, escrita antes de 1939) e A Dama da Loção Antipiolho (The Lady of the Larkspur Lotion, escrita antes de 1942).


As informações abaixo não contém spoilers

O Quarto Escuro apresenta o embate entre a Sra. Pocciotti e a Srta. Morgan. Pocciotti é uma imigrante italiana radicada nos Estados Unidos e que administra o que restou de uma família esfacelada pela Depressão Econômica dos anos 1930. Seu marido está internado em um sanatório, ela não sabe o paradeiro de um dos filhos mais velhos, o outro afirma estar em Chicago. Além disso, ainda cuida de três filhos que moram com ela, dois rapazes e uma moça, Tina, que se trancafia no quarto escuro que dá título à peça. Morgan é a assistente social que visita Pocciotti a fim de entrevistá-la para verificar a possibilidade de que ela receba ajuda financeira do governo. Ao longo da conversa, porém, Pocciotti tenta se esquivar das perguntas. Aí entra a maestria de Williams na construção do diálogo que aos poucos revela o porquê das atitudes de Tina e de Pocciotti. 

Verão no Lago foi recentemente publicada no volume Mister Paradise e outras peças em um ato, com tradução de Rita Giovanna e Kadi Moreno, do Grupo TAPA. Nessa peça, o jovem Daniel Fenway se sente sufocado pela pressão recebida da mãe egoísta e do pai executivo, que deseja que o filho arranje um emprego e desista dos planos da universidade. Encurralado numa situação da qual não vê grandes chances de escapatória, Daniel se refugia no lago. Destaco uma frase da consciência de Daniel: "Paredes de tijolos e o concreto e as... escada de emergência pretas! É o que eu mais odeio - escadas de emergência! Será que eles acham que as pessoas que moram em apartamentos só precisam escapar de incêndios?" (Mister Paradise e outras peças em um ato, p. 136).

Foto de cena - Verão no Lago 

A Dama da Loção Antipiolho é, das três, a mais divertida - e nem por isso a menos ácida. Nela, a Sra. Hardwicke-Moore vive em uma pensão de terceira categoria no French Quarter (New Orleans), onde recebe homens profissionalmente. Para a Sra. Wire, a proprietária da pensão, porém, ela diz que descende de uma família rica e tradicional, e que possui terras no Brasil, cujos altos rendimentos lhe são enviados regularmente. Tudo mentira, menos para Hardwicke-Moore, que acredita em suas próprias fantasias, que divertem a proprietária até que a inquilina atrase o aluguel. No confronto entre as duas vem, entre outras tantas informações, a explicação para o título da peça. Para completar a cena, surge o Escritor, defendendo a inquilina. 

Leia a crítica de Beth Néspoli publicada no Estadão:

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,blues-afinado-do-grupo-tapa,732449,0.htm

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O instigante teatro do jovem Tennessee Williams pela leitura do Grupo TAPA

Quem só conhece os trabalhos canônicos do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams, tais como The Glass Menagerie (Zoológico de Vidro / À Margem da Vida),  A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo) e Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Teto de Zinco Quente), também vai se interessar em conhecer a sua produção anterior. As leituras dramáticas a serem realizadas pelo Grupo TAPA (veja o cartaz abaixo) englobarão três peças de um ato e um texto intitulado The Catastrophe of Success (A Catástrofe do Sucesso).

Sobre esse texto, é preciso dizer que Williams primeiramente publicou-o no The New York Times em 30 de novembro de 1947 (dias antes da estreia de Streetcar...) sob o título On a Streetcar Named Success (Num Bonde Chamado Sucesso), mais tarde expandindo-o para uma introdução da edição de The Glass Menagerie, peça que o elevou à categoria de grande autor da Broadway, com todos os benefícios e prejuízos que isso traria à sua carreira, é bom dizer.

As três peças cujas traduções serão dramatizadas são The Pink Bedroom (O Quarto Rosa), Mr. Paradise e  Escape (Fuga).

[Os trechos abaixo contém spoilers.]

Em Mr. Paradise, Garota visita Mr. Anthony Paradise (pseudônimo de Jonathan Jones) em sua esquálida residência. Ele é autor de um livro de poemas que ela alega ter mudado sua vida, querendo que ele se revele para o mundo. Ela planeja organizar palestras, leituras etc. para que ele seja reconhecido. A Garota tenta convencer Mr. Paradise, mas ele aos poucos dissolve os argumentos dela alegando que os tempos mudaram. 

O Quarto Rosa apresenta um casal discutindo a relação (no quarto rosa do título). A Mulher acusa o Homem de não ser o mesmo que era antes. Ao final, quando a mulher manda este amante embora, ela recebe um outro em seu quarto.

Em Fuga, três presidiários acompanham a tentativa de fuga de seu amigo Billy, que quer alcançar a linha do trem para fugir.Billy é perseguido por guardas e cães que querem capturá-lo vivo ou morto. 

Os enredos parecem simples e por vezes o são, mas é nos diálogos que se encontra a maestria de Williams, que rompe com a estrutura dramática, flagrando situações-limite. Em todas as peças, fica evidente como a estrutura sócio-histórica não é mero pano de fundo, como muitos a-do-ram dizer sobre a obra do autor. Também estão longe do pretenso "realismo psicológico" que o consagrou. Essa leitura é uma ótima oportunidade para quem quer conhecer um pouco mais a obra do autor. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sherlock Holmes continua científico e bem-humorado

Já está há quase um mês em cartaz Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows), o mais recente filme do diretor Guy Ritchie, que foi roteirizado por Michele Mulroney e Kieran Mulroney. Adaptar Conan Doyle para os dias de hoje não é uma missão fácil, porque exige de toda a equipe (especialmente roteiristas, diretor e elenco) uma tarefa dupla: respeitar as características do tempo histórico da narrativa,  final do século XIX/início do XX, e tornar o filme palatável para as plateias do início de nosso milênio. Os envolvidos têm sido felizes nessa missão, que já está no segundo filme (o primeiro foi intitulado apenas de Sherlock Holmes, sem subtítulo, e é de 2009). 


Se Sir Arthur Conan Doyle, o autor da série de livros que têm como figura central as peripécias do detetive da Baker Street, não foi o precursor das histórias de detetive (Edgar Allan Poe chegou primeiro...), ele tem o mérito de ter conseguido criar uma sequência de narrativas em uma época em que o cientificismo era uma marca. Assim, Doyle se apropriou dela para fazer de seu detetive um homem extremamente inteligente e sagaz, capaz de deduções lógicas incríveis a partir de elementos que, desconectados, não fariam o menor sentido. Essa é uma das marcas que o roteiro preservou em ambos os filmes: Sherlock continua usando sua perspicácia aliada a todo conhecimento científico que consegue absorver, o que faz dele o melhor detetive particular da Inglaterra (e ele sabe disso...). 

Holmes mostrando a Watson o mapa (ao fundo) que revela 
a conexão criminosa de vários crimes.

Um dos problemas desse tipo de adaptação é a questão do ritmo do filme. Aos olhos de hoje, as histórias do detetive pareceriam lentas se não houvesse um trabalho de adequação. Por isso, há cenas que lembram os efeitos de Matrix, nas quais o detetive calcula em câmera lenta golpes, escapadas e por aí vai. Essas cenas ajudam a dinamizar o filme. Há quem não goste desse tipo de efeito em filmes "de época", mas eles casam bem com a narrativa apropriadamente construída, isto é, o efeito é criado para enfatizar a narrativa e não para correr paralelo a ela, como um exibicionismo barato.

Uma cena em câmera lenta para mostrar a destreza de Holmes ao desarmar um guarda. 

O diretor e os atores também têm um trabalho árduo em fugir dos estereótipos. Holmes, interpretado por Robert Downey, Jr., tem o ego tão grande quanto sua inteligência, o que, porém, não o faz um ególatra simplista, pois depende constantemente do apoio de Watson, interpretado por Jude Law. Uma cena singela, mas representativa, em que isso fica claro acontece quando, no trem, Holmes está vestido de mulher e se justifica a Watson por não ter encontrado melhor disfarce. Ambos os atores investiram uma boa dose de humor em seus personagens. Assim, é impossível não adorar Holmes mesmo ele sendo quase insuportável, um sabichão autocentrado, mas que encanta porque sua fraqueza está justamente naquilo que é a fortaleza de Watson: os relacionamentos humanos. Jude Law imprime em seu Watson a serenidade dos médicos experientes, mas não deixa de exibir em alguns momentos variações de humor (sempre decorrentes de atos de Holmes, diga-se de passagem). Nas narrativas de Doyle, o humor também é marca presente.

Holmes se justificando pelo disfarce inapropriado.

Neste filme, o arqui-inimigo de Holmes se materializa. É o Professor James Moriarty, que no primeiro  apareceu apenas como voz e sombra. Interpretado por Jared Harris, Moriarty tenta criar uma guerra mundial (anterior à I Guerra) e aí entra um ponto interessantíssimo do filme, uma vez que Holmes aos poucos desvenda a meticulosa e cruel rede de armações que é criada a fim de fomentar a guerra, envolvendo os interesses dos que fabricam de armas a esparadrapo, dos envolvidos na diplomacia internacional nem sempre com objetos diplomáticos e daqueles que lucram executando serviços sanguinários a quem pode pagar altos preços. 

Em The Final Problem (O Último Problema), Holmes e Moriarty se enfrentam nas Cataratas 
de Reichenbach. Na história original, Holmes e Moriarty aparentemente caem nas águas e não 
são encontrados. O público se recusou a aceitar a morte do detetive, o que fez Doyle escrever novas
 aventuras para Holmes, que não  teria caído com Moriarty. [Desenho de Sidney Paget]

É bom ver que a literatura de detetive pode ser reinventada no cinema. Nesse aspecto, é muito fácil adaptar as aventuras de Sherlock Holmes do que as de Hercule Poirot, o detetive-herói, ou mesmo as de Miss Jane Marple, a velhinha curiosa, ambas criações de Agatha Christie. A autora optou por um caminho diferente de Doyle: para Christie, o que interessa é a psicologia dos personagens. Assim, Poirot e Miss Marple desvendam os crimes basicamente porque conversam com as pessoas e depois conseguem montar o quebra-cabeça. Agatha Christie foi grandemente influenciada pelas ideias de Sigmund Freud, que se espalhavam cada vez mais rapidamente em seu tempo. Temos, portanto, na ficção de Conan Doyle, o cientificismo, e na de Agatha Christie, a psicologia. Prova de que até mesmo a literatura dita de massa não escapa de seu tempo histórico. E com os filmes não é diferente... 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Precisamos falar sobre o Kevin. E sobre a televisão também.

Está em cartaz Precisamos Falar sobre o Kevin (We Need to Talk about Kevin), filme dirigido por Lynne Ramsay e baseado no romance homônimo de Lionel Shriver. É um filme cativante não pela doçura, mas pela forma bem engendrada - sem cair no artificialismo - como mostra a destruição da família Khatchadourian, composta pelo casal Eva (interpretada magnanimamente por Tilda Swinton) e Franklin (um ótimo papel para John C. Reilly) e seus filhos Kevin, o mais velho (cuja fase adolescente, a principal do filme, é interpretado pelo ótimo Ezra Miller) e Celia (interpretado pela atriz mirim Ashley Gerasimovich, que promete se destacar).

Cartaz do filme

A maioria das críticas que tenho lido tem focado na questão do sofrimento da mãe, das dúvidas que ela tem em relação à forma como criou o filho e da responsabilidade que carrega pelos gravíssimos e mortais malfeitos do garoto. Não vou entrar em detalhes sobre os tais malfeitos de Kevin, pois boa parte do filme, que se alicerça nos flashbacks de Eva, depende das informações que aos poucos vão sendo reveladas. O que acho curioso é que pouco estão falando sobre a influência da televisão sobre o garoto. Em uma dada cena, ele mesmo afirma para a mãe que as pessoas passam metade do seu tempo vendo os feitos de outras pessoas em rede nacional. Ele admira isso e conduz suas últimas e cruéis ações no filme no sentido de se expor publicamente em rede nacional.

Eva, após as atrocidades cometidas pelo filho, acaba indo trabalhar em uma agência
de viagens decadente, uma clara mostra de seu declínio profissional. 

Aí está o amplo escopo social que o filme abarca. Na minha opinião, é muito mais do que as dúvidas de uma mãe incerta da criação que propiciou. Criação, aliás, que inclui tudo que uma mãe normal faria: exceder às vezes no castigo físico, ausentar-se por questões de trabalho, ter dias em que não aguenta o choro etc. (Quem teve mães absolutamente perfeitas que então condene a personagem Eva e aumente um centímetro o  tamanho do nariz). Trata-se da incapacidade de lutar contra o mundo da espetacularidade, que tanto seduz e fascina os jovens (mas não somente). Há uma cena em que o filho olha o cartaz do lançamento do livro da mãe em uma livraria (ela é uma escritora-viajante) e depois ele nega ter visto, muito provavelmente porque não aguenta admitir que ela tem alguma projeção pública, algo que ele muito deseja. 

Após ter cuidadosamente personalizado as paredes de seu quarto com mapas, 
Eva vê o filho Kevin pintando as paredes para provocá-la. 
Ele diz que está ajudando-a a dar personalidade ao quarto. 

Não basta para Kevin entrar para o mundo do espetáculo (ser ator, cantor, repórter etc.), ele precisa ser o espetáculo, ele precisa que os holofotes recaiam todos sobre ele. Lembrei-me que Pânico 4 (Scream 4) trabalhou essa questão, embora o tenha feito em chave de suspense e comédia. Nesse filme, a personagem-assassina revela-se ao final com a seguinte frase: "Eu não preciso de amigos, eu preciso de fãs". E para isso ela planejara alguns assassinatos, embora tivesse quase que com sucesso fazer a culpa recair sobre outros. Kevin procura a fama e também a heroização. Quem viu Mamãe é de Morte (Serial Mom), de John Walters, entende bem como alguém capaz de atrocidades pode se transformar em herói midiático sem muito esforço. 

Kevin com a irmã Celia, a quem ele constantemente chama de 
"retardada" e "idiota", além de fazê-la de empregada. A irmã 
não escapa de suas maldades ao longo da narrativa. 

Eva sofre bastante mesmo após o filho ter suas ações cruéis interrompidas. É agredida física e moralmente na rua por familiares de pessoas que ele atacou, vê sua casa e carro com enormes manchas de tinta vermelha. Em uma festa, um colega da agência de viagens a chama para dançar e quando ela recusa, ouve algo do tipo "Quem você pensa que é, sua vadia?". Os personagens não deixam de associar a culpa à mãe do responsável. De certa forma, eu arriscaria dizer que muitas críticas e também muitos espectadores estão caindo no mesmo processo: vendo o filme pela ótica da culpa que deve recair sobre uma pessoa. 

Kevin jogando vídeo-game com o pai e 
gritando "Morra!" para os personagens do jogo. 

Parece-me que muito mais interessante do que discutir os erros e acertos da mãe na criação de Kevin é realmente entender o fascínio que a televisão exerce especialmente sobre os mais jovens. Desejos imensuráveis de fama, exposição e reconhecimento há algum tempo já cruzaram o limite da ética e do bom senso. O filme cativa a quem consegue experienciar a perplexidade de Eva diante de toda essa situação. 

domingo, 29 de janeiro de 2012

"O Corvo", de Edgar Allan Poe, completa 167 anos

Em 29 de janeiro de 1845 um dos poemas mais conhecidos da língua inglesa era publicado na New York Evening Mirror: The Raven, de Edgar Allan Poe. 

Com clara musicalidade e alusões ao sobrenatural, este poema narrativo tem feito parte do imaginário cultural - especialmente o norte-americano -, sendo adaptado para filmes, parodiado e citado em HQs e na literatura. 

Entre os legados do nosso poeta português Fernando Pessoa, há uma belíssima tradução de The Raven. Reproduzo abaixo as primeiras estrofes. Para quem quiser lê-lo inteiro, logo após as imagens seguem os links para o original e a tradução.

O CORVO

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".

[Fonte: http://www.insite.com.br/art/pessoa/coligidas/trad/921.php]


Ilustração de Gustave Doré para o trecho "Not the least obeisance made he..."/
"Não fez nenhum cumprimento...". (1884)
[Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/The_Raven]


Ilustração de Gustave Doré para os versos finais do poema. (s/d.)
[Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/The_Raven]


Para ler o original na íntegra, acesse:

Para ler a tradução na íntegra, acesse: 

O BBB e sua estrutura dramática

Por engano, a postagem "O BBB e sua estrutura dramática" foi apagada. Vou retomá-la de forma um pouco reduzida, mas com o essencial do conteúdo. 

A postagem trata de similaridades entre o que conhecemos como estrutura dramática, isto é, a estrutura de ação, de organização das partes a fim de gerar um todo orgânico. Uso o termo emprestado das teorias teatrais adaptado ao propósito de divagar sobre esse polêmico programa de tevê. 

O BBB sempre começa em uma terça-feira e, via de regra, cumpre ciclos semanais. Na quarta há uma festa, na quinta acontece a prova do líder, na sexta ou no sábado tem-se a prova do anjo, no sábado à noite (sempre depois da prova do anjo) há outra festa, no domingo é formado o paredão, na segunda os "brothers" ficam por conta de aguardar a decisão do público, que virá na terça, completando o ciclo semanal. 

Pois bem, a estrutura dramática é aquela em que a tensão é criada de forma crescente e cuja construção visa ao clímax (momento máximo de tensão) e à resolução (desenlace, desfecho) da narrativa. A cada terça-feira, com um novo eliminado, inicia-se outro ciclo dramático. Assim, a festa da quarta funciona como um alívio dramático, após o momento tenso do dia anterior (em filmes, por exemplo, isso é facilmente verificável: após cenas de alta tensão, segue-se uma calma, amena). Na quinta, a ação é retomada com a prova do líder, que dá a um dos brothers o poder de escolher alguém para ir ao paredão. A tensão é gerada porque quem acompanha o programa sabe das preferências e especialmente dos desafetos de cada brother. Na sexta (ou no sábado) a prova do anjo aumenta essa tensão, porque o vencedor pode imunizar justamente quem o líder escolheu. Com esse quadro, a festa do sábado vem novamente amenizar as tensões, pois no domingo é o dia do clímax: a formação do paredão. Para garantir a tensão, a ordem no domingo é sempre a mesma: o anjo imuniza alguém, o líder indica qualquer brother não imunizado e depois todos votam para chegar ao segundo emparedado. Na terça, para fechar o ciclo, a resolução: Bial, que é uma espécie de coro eletrônico, conecta-se com a casa para informar ao grupo a decisão da pólis (o público votante). 

Há uma espécie de deus ex machina (elemento dramático que permite a intromissão divina na narrativa) no programa, o Big Fone. Trata-se de uma clara interferência da produção que, ao ligar para um telefone especial que há na casa (nesta edição é um orelhão). A mensagem telefônica pode se referir a várias coisas, todas elas com o objetivo de gerar aumento de tensão: quem atende pode ser escolhido para o paredão, pode imunizar alguém, pode ser obrigado a indicar alguém ao paredão e por aí vai. 

Nesta edição houve um caso em particular digno de nota: a eliminação de Daniel, no dia 16 de janeiro, um dia antes da data marcada para a primeira eliminação. O motivo foi um suposto abuso sexual praticado por ele contra uma das brothers. O caso está sendo investigado, os envolvidos já tiveram que depor, mas o fato é que as imagens chocaram o público e a comoção foi tanta que a própria produção do programa (olha o deus ex machina aí de novo) não quis pagar para ver: eliminou-o. 

Nota final: a estrutura dramática garante tensão, mas não dispensa a qualidade da narrativa.Quem viu de perto ou mesmo acompanhou de longe as edições em que os vencedores foram Jean Wyllys e Diego Alemão sabe bem o que é isso. Em ambas, esses dois tiveram que enfrentar brothers vilanescos capazes de armações variadas para eliminá-los do programa. No caso do BBB de Jean, por exemplo, havia uma alta dose de discriminação pelo fato de o brother (que seria o vencedor) ser homossexual. Isso é o que faz o BBB ter pouco de reality show (no sentido estrito) e muito mais de folhetim eletrônico: é uma novelinha diária em que os personagens-brothers conduzem suas ações a partir de um roteiro (no mínimo indicativo) cujo interesse maior é garantir a tensão entre os "heróis", como Bial gosta de chamá-los, embora seus feitos não se assemelhem sequer milesimamente ao de um Édipo orgulhoso, uma Antígona justiceira ou uma Medeia enfurecida... Tensão crescente e narrativa polêmica representam, juntas, sinônimo de muitos pontos no Ibope. Goste-se ou não do programa, o BBB é prova disso há doze anos. 


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

São Paulo: 458


Para a primeira postagem do Sorriso de Medeia, escolhi como tema a cidade onde nasci e na qual mais vivi até hoje, minha amada, idolatrada, salve, salve, São Paulo!  

Não se trata de seleção de hit parade ou  qualquer coisa que o valha. Quero apenas registrar um pouco da minha memória músico-sentimental da metrópole (adorei a aliteração!).  É claro que para qualquer paulistano que se preze a primeira canção sobre a cidade que se aprende  é Trem das Onze (Não posso ficar nem mais um minuto com você...), de Adoniran Barbosa. Também do mesmo autor são Tiro ao Álvaro (De tanto levar frechada do teu olhar...) e Samba  do Arnesto (O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás...)que acompanham qualquer roda de boa música. Porém, a canção pela qual tenho mais carinho é Lampião de Gás, de Zica Bergami, imortalizada na voz de Inezita Barroso. Aprendi a gostar dessa canção com minha avó Laura, que se emocionava toda vez que a ouvia. A canção é pura nostalgia de um tempo que minha avó havia vivido, recém-chegada do interior do estado. Foi por meio de Lampião de Gás que comecei a entender o amor que São Paulo gera nos corações e a lembrança que deixa nas mentes de quem nela vive.

Zica Bergami é autora de uma das mais belas canções brasileiras, a nostálgica 'Lampião de Gás' - Nilton Fukuda/AE
Zica Bergami (1913-2011), autora de Lampião de Gás

Inezita Barroso canta Lampião de Gás no programa Viola, Minha Viola, 
exibido pela TV Cultura em 7 de agosto de 2011.


Também marcante é Ronda, de Paulo Vanzolini, cantada por vários artistas de renome, inclusive a minha adorada Maria Bethânia. As primeiras vezes que ouvi Ronda, no entanto, foram pela belíssima voz de Márcia (o disco dela é de 1977). Vale registrar que Inezita Barroso já havia gravado a canção mais de duas décadas antes de Márcia (1953). Ronda sempre me fez pensar na melancolia dos que vagam pela cidade à procura de seu amor ou mesmo de um amor qualquer, efêmero ou duradouro, sem nem pensar na consequência (remota, é verdade...) anunciada na canção: "cena de sangue num bar da avenida São João". É deliciosamente deprê, dá para sentir a exaustão do eu lírico naquela procura incessante, pedindo para o superego que o faça desistir da inútil busca só pelo prazer de afirmar que continuará. 


Capa do disco Ronda, da cantora Marcia

Por fim, não poderia deixar de fora Sampa, de Caetano Veloso. É um hino à cidade, que emociona a cada regravação. Lembro-me de uma história engraçada envolvendo essa canção. Anos atrás, o SPTV fez uma série de reportagens sobre o aniversário da cidade, e o mote de uma das matérias era perguntar às pessoas na rua o que elas entendiam de versos da canção de Caetano. Um dos versos era "É que Narciso acha feio o que não é espelho". Algumas pessoas admitiram que não sabiam quem era o "tal" Narciso, outras tentaram interpretar, mas a mais engraçada foi a de uma senhora que virou para o repórter (ou a repórter, não me lembro) e devolveu a seguinte pergunta: "Que Narciso? O Narciso Meira?". Desnecessário dizer que a imagem, ao voltar para o estúdio, flagrou os dois apresentadores da bancada quase chorando de tanto rir. 

Os dois primeiros versos da segunda estrofe de Sampa dizem "Ainda não havia para mim Rita Lee / A tua mais completa tradução". E é verdade, Rita Lee está para São Paulo como Frank Sinatra para Nova York ou Edith Piaf para Paris. O repertório dela é paulistaníssimo mesmo quando não se refere diretamente à cidade. 

A canção conquista as novas gerações. 
Caetano Veloso cantando Sampa com Sandy. 

Para encerrar, não resisto em ser óbvio: FELIZ ANIVERSÁRIO, SÃO PAULO!!! E acrescento uns versos "emprestados" do Roupa Nova, para não deixar dúvidas do que sinto por você: 

Eu te amo e vou gritar
Pra todo mundo ouvir
Ter você é meu 
Desejo de viver
Sou menino e teu amor
É que me faz crescer
E me entrego, corpo e alma
Pra você...