sexta-feira, 30 de março de 2012

O mundo das Letras - com verdadeiras e falsas lembranças

Por diversão, entrei na brincadeira de alterar as legendas a partir da imagem de abertura da série As Brasileiras, referindo-me ao universo do curso de Letras. Isso foi muito mais uma brincadeira com as minhas amigos e meus amigos que fizeram esse curso comigo na FFLCH-USP e com quem compartilho lembranças deliciosas de anos de estudos, bate-papos e muita discussão. 

O resultado está aí. Espero que gostem!



Versão vertical: 



domingo, 25 de março de 2012

O autor à frente de seu público - o caso "Fina Estampa"

O final de Fina Estampa está causando uma verdadeira enxurrada de comentários, especialmente no Facebook. Um verdadeiro mar de pessoas sofredoras, indignadas, tristes, revoltadas etc. com o final da novela. Comecei a me perguntar por que o final foi tão decepcionante assim (não para mim, claro!) e aqui tentarei traçar algumas questões. 



Todos queriam saber quem era o amante de Crô, o tal com o escorpião tatuado no pé. Pois bem, Aguinaldo Silva não quis nomear um personagem, deixou a questão em aberto. Isso magoou muita gente, afinal é muito importante (especialmente para os heterossexuais, diga-se de passagem, mas não exclusivamente, que fique claro) saber quem é gay e quem não é. Um gay à solta sem identificação muitas vezes "prejudica os trabalhos" dos heterossexuais: homens heterossexuais  não sabem se o amigão do peito que eles julgam tão macho quanto a si mesmos pode ter uma vida paralela e mulheres heterossexuais ficam em dúvida se o "homem" com quem estão saindo ou desejam é realmente  o macho alfa com quem elas vão casar e ter filhos. Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter entregado um nome ao público. Ainda hoje há mais gays trancadinhos no armário do que fora dele. Muitos gays de armário, por exemplo, são casados, têm filhos, jogam futebol etc., portanto é muito bom ter deixado essa "dica" para o público: o amante de Crô pode ser qualquer um. É mais importante saber que ele existe do que saber quem ele é. 

E Baltazar, era gay? Também correrá por conta da imaginação do público. Ele diz a Crô: "Estou aqui te pedindo para sair do armário. Ou melhor, estou te implorando, porque a vida não tem a menor graça sem você aqui fora." Uma declaração de amor torta, como disseram alguns? Não necessariamente. Será que seu pedido de que Crô saia do armário não é o seu próprio desejo de sair? É uma possibilidade. O que aconteceu antes dessa suposta declaração torta não pode ser deixado de lado. Baltazar foi abusivo (física e emocionalmente) com a esposa e a filha boa parte da novela, o que poderia ser um sinal de ódio a elas (e por extensão ao convívio familiar), uma forma de externar o desejo reprimido de ter uma vida com outro homem (ou uma vida sem família, por que não?). A sua constante negação de ser gay também é outro fator. Ninguém precisa ter feito curso de psicanálise para saber que muitas vezes as negações significam afirmações e vice-versa. Afinal, ele continua trabalhando para Crô. Se tinha tanta aversão a gays assim, por que vai aceitar ter um como patrão e não procurar outro emprego? Ele é um motorista experimentado, há anos na função. A própria Tereza Cristina disse repetidas vezes que só não o demitia porque ele era um profissional bem treinado para a função. Essa foi outra construção excelente de Aguinaldo Silva. Ao final, o autor não diz que sim, nem que não, deixa a questão para se pensar, ao mesmo tempo em que dá uma belíssima bordoada em boa parte dos gays: Crô diz que fundou o Centro de Amparo ao Homossexual Pintoso porque os pintosos (afeminados) são os que mais sofrem preconceito, inclusive dos próprios gays. O que poderia ser um discurso unilateral, ganha força pela capacidade de o autor mostrar que em questões desse tipo criar uma "guerrinha de sexos" não leva a nada.. 

E a Tereza Cristina, que voltou com uma bela gargalhada escrachada? Ótimo, na minha opinião. No país em que vivemos, onde a justiça faz troça com a cara da população todos os dias, uma personagem como ela não merecia morrer nem ficar louca (que seriam finais aceitáveis até o final da década de 1990). Sua volta me fez lembrar a vitória de Maria de Fátima em Vale Tudo, quando no último capítulo ela deixa o filho com a  mãe e vai viver com o marido nobre, um casamento rentável e que lhe permite manter o amante. No final da década de 1980, Vale Tudo antecipava um comportamento que viria a se tornar comum: a busca desenfreada por dinheiro e status. Acredito que Fina Estampa não antecipa um comportamento, mas esfrega um na cara do público: quem tem dinheiro faz praticamente o que quer, pois a justiça é lenta lentíssima para enquadrá-los. Quem acompanhou a novela viu isso claramente. Mais importante do que achar ridículo ou legal Tereza Cristina ter voltado, é entender o porquê da volta. E Griselda faz parte disso, afinal ela foi a mulher correta, guerreira, que não fez nada de errado, que criou os filhos com sacrifício e blá blá blá, mas para pessoas como Tereza Cristina ela não é nada (mesmo com 50 milhões na conta) e nunca será, pois tais dignidades não contam. Sua risada escrachada no final devolve à heroína Griselda a vulnerabilidade que ela pensava não ter mais. Em um mundo com tantas Terezas Cristinas à solta, talvez a única solução seja contar com o final que teve Odete Roitman: um assassinato, ainda que por engano - contras as mentalidades, não as pessoas, evidentemente...






Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter escrito um final óbvio! Te aguardo na sua próxima novela das nove!


quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia Mundial do Teatro

Hoje é dia Mundial do Teatro! Para comemorar, uma singelíssima homenagem à minha tragédia grega favorita: Medeia, de Eurípedes. 

Além de ser minha tragédia favorita, Medeia também está no título do meu blogue e já foi tema de um minicurso que lecionei aqui no Vale. Considero-a uma tragédia desafiadora pela força da narrativa que tem se mantido em diálogo com as paixões humanas desde que foi criada, em 431 a.C. até os dias de hoje. 

Para quem não conhece, Medeia, a protagonista que dá nome à tragédia, é esposa de Jasão, com quem tem filhos. A tragédia se inicia quando Medeia já foi abandonada pelo marido, pois ele vai se casar com Glauce, uma mulher mais jovem, filha de um rei e que pode oferecer um futuro digno aos filhos. Só que Medeia fez tudo que pôde por Jasão desde que o conheceu. Sendo uma feiticeira poderosa, ajudou-o a conseguir o velocino de ouro, que permitiu que ele assumisse o trono de Iolco na Tessália. Medeia mata inclusive seu próprio irmão a fim de que isso retarde a busca do pai dela, que não quer que ela fuja do reino com Jasão. Esses feitos, porém, não são presentificados na tragédia, mas sim rememorados  nela ou citados em fontes de outros autores. A mitologia clássica é muito rica, pois há diferentes versões as narrativas. 

 
Maria Callas como Medeia no filme de 1969 de Pier Paolo Pasolini 
(a imagem no topo do blogue é do mesmo filme) 


Arrasada com a decisão de Jasão e após muita luta com sua própria consciência, ela decide se vingar do marido e de sua futura esposa. Para isso, pede desculpas pelas atitudes desesperadas que têm tomado e envia como presente um véu e uma tiara para Glaucia, a noiva. Ao colocá-los na cabeça, o presente revela a verdadeira intenção de Medeia: véu e tiara estavam enfeitiçados e provocam uma morte terrível à pobre jovem apaixonada por Jasão. Sem o casamento real, resta a Jasão confrontar a esposa abandonada. E quando ele o faz, Medeia acabara de matar seus filhos, retirando de Jasão tudo que ele tinha: a perspectiva de uma vida nova casado com uma princesa e a chance de prosseguir com sua descendência. 

Medeia prestes a matar os filhos, de Eugène Delacroix, pintura de 1838, é uma das inúmeras representações sobre a protagonista da tragédia Medeia, de Eurípedes 


Se até agora Medeia pareceu cruel e ardilosa, ainda há um detalhe: ela não será punida. Quando Jasão a confronta e quer puni-la pelos crimes que cometeu, ela categoricamente avisa que ele nada conseguirá, pois o deus Sol (avô de Medeia) lhe enviara uma carro flamejante que a levará para Atenas, onde terá a proteção do rei Egeu, a quem no meio da narrativa fizera uma troca: o rei a protegeria de qualquer ataque e ela lhe ajudaria, com seus poderes de feiticeira, a ter filhos. 

Medeia nega o pedido de Jasão para enterrar os filhos: "Não é possível; são palavras vãs", diz ela, voando com os filhos mortos no carro flamejante, enquanto Jasão se lamenta com Zeus e o Corifeu encerra a tragédia.  


Renata Sorrah e José Mayer na encenação de Medeia (2004) no Rio de Janeiro 

Quem tiver interesse em ler a tragédia, indico as traduções de Mario da Gama Kury, publicada pela Jorge Zahar, e de Trajano Vieira, publicada pela Editora 34. Ambos tradutores excelentes, profundos conhecedores da língua e da cultura grega. 

                Tradução de Mario da Gama Kury                        Tradução de Trajano Vieira

                                           

quinta-feira, 8 de março de 2012

Não se nasce mulher. Torna-se mulher.

Essa frase-constatação está no livro O Segundo Sexo, que Simone de Beauvoir publicou em 1949. Me impressiona ver que após 63 anos da publicação de um livro seminal como este ainda existam mulheres da nova geração que acreditem que ser mulher é uma questão apenas biológica, que vem acompanhada de um pacote de comportamentos fixos.

Simone de Beauvoir - filósofa e ficcionalista francesa

Replicam-se por estes dias os clichês nas redes sociais - especialmente por causa do Dia Internacional da Mulher - sobre a "alma", a "essência", o "verdadeiro" sentido de ser mulher. Nesses clichês, a mulher é esposa, é mãe, trabalha fora, é dona-de-casa, vai a todas as festinhas de família, tudo isso conciliado com a academia, o regime, estando bonita para o marido e para as amigas. Enfim, é uma mulher praticamente biônica. E eu sempre me perguntei: qual é a grande vantagem disso? 

As mulheres ganham, em média, 25% menos que os homens. A alegação mais comum recai sobre o fato de que elas engravidam e oneram a folha de pagamento, já que ficam muitos meses afastadas. Pois bem, se as mulheres não engravidassem, a vida no planeta acabaria em menos de cem anos, não é mesmo? Portanto, isso não é desculpa. Só elas geram filhos, então não podem ser penalizadas por isso. O curioso é que na época do Dia das Mulher todo mundo fala da "dádiva" feminina de dar à luz, mas na hora de pôr a mão no bolso, aí a dádiva se torna um transtorno.

A ditadura da beleza, embora hoje recaia sobre os homens também, é muito mais cruel com as mulheres. Basta ver os comerciais de cerveja: elas estão sempre lindas, gostosas, exalam sexualidade e nenhum cérebro. Os homens são sempre os espertos, têm comportamentos abusivos - em um comercial que está indo ao ar agora, eles se tornam invisíveis e se dão o direito de tocá-las, enquanto elas apenas correm soltando gritinhos infantis. Não é à toa que em outros países (os nórdicos, por exemplo), esse tipo de comercial não teria sequer a chance de ser exibido.

Um comercial machistoide (um entre tantos, infelizmente)


No Brasil, ainda há uma grande parcela de mulheres acreditando que o curso natural de suas vidas é se casar e ter filhos. Nada contra o casamento e as crianças, mas isso deve ser algo pensado como escolha, não como uma condição para uma vida feliz.

O feminismo hoje ainda tem muito a dizer, basta as mulheres quererem ouvir. E a primeira dificuldade talvez seja entender o feminismo na raiz de suas propostas. Assim, as mulheres que ainda aceitam que os passos de suas vidas sejam ditados pelos interesses alheios (dos homens, claro) poderão refletir sobre as contribuições do movimento, olhando-o com seus próprios olhos e não pelo filtro que os homens criaram para combater o movimento - afirmando, por exemplo, que toda feminista era mal amada, ou lésbica, ou detestava os homens. Esse tipo de ataque ao feminismo visava única e tão somente enfraquecer o movimento e reforçar que as mulheres felizes eram aquelas que tinham marido, filhos e uma casa para se ocupar. 

Se não me engano foi a feminista norte-americana Gloria Steinem quem disse: "Uma mulher precisa de um homem como um peixe precisa de uma bicicleta". A frase, tomada no sentido do ódio aos homens, talvez tenha afastado muitas mulheres do movimento. Mas fez com que outras se aproximassem e entendessem o verdadeiro sentido do que ela disse: a mulher não precisa do homem, ela se relaciona com ele e esse relacionamento deve ser bom para ambos, não apenas para ele. No sentido da necessidade, a mulher realmente não precisa de ninguém além dela mesma (e o mesmo vale para os homens).

Gloria Steinem explica o feminismo (sem legendas)

O que em geral as pessoas veem como radicalismo das feministas - chamadas por alguns de feminazistas (quem diz isso nem deve ter noção do horror que foi o nazismo...) - na verdade não passa do profundo desejo de manter a mulher "no seu lugar", ou seja, prosseguir com a opressão. Porque o que as feministas têm cobrado ao longo das décadas é simplesmente aquilo que diz respeito à igualdade (econômica, social, política etc.) de gênero, respeitando as diferenças intrínsecas entre os gêneros. Mas o primeiro argumento dos machistas de plantão é sempre esse: "Ah, vocês querem condições iguais, então venham carregar pacote de 30 quilos". 

E esse tipo de argumento não para por aí. Uma mulher não está de bom humor, então é mal amada ou está de TPM. Um homem não está de bom humor, ninguém fala nada. Uma mulher faz denúncias contra o marido, ela é louca, recalcada. Um homem faz denúncias contra a mulher, ele é corajoso. O cabelo da mulher não está arrumado, ela é desleixada, não se cuida, está com problemas. Se for o homem, ninguém nem comenta. Isso sem entrar realmente no mérito das mulheres que são atacadas terem posturas firmes - vide Margaret Thatcher, Angela Merkel e Dilma Roussef, entre tantas - taxadas de serem masculinas no visual e nas atitudes, como se toda mulher tivesse que ter aparência de Barbie e delicadeza das palacianas do século XIX.

Dilma Rousseff e Margaret Thatcher
Dilma Roussef e Margaret Thatcher: gostando-se ou não da atuação das mulheres 
na política, o preconceito de gênero as acompanha constantemente.

Como bem escreveu Simone de Beauvoir, "Não se nasce mulher. Torna-se mulher". O desafio, portanto, é se livrar dos estereótipos cotidianamente lançados e ter o desejo de se reinventar para sim, não para os outros.

Muitos põem em dúvida a necessidade de um Dia Internacional da Mulher como o 8 de março. A alegação mais esdrúxula é que não existe um dia do homem. Claro, os homens nunca foram oprimidos em termos de gênero. Nunca houve, pelo menos em massa, uma sociedade matriarcal que oprimisse os homens. Os homens não precisam de um dia para lembrar que sofrem com a desigualdade simplesmente pelo fato de que eles não sofrem!

Sendo assim, desejo a todas as mulheres não um feliz, mas um reflexivo Dia Internacional da Mulher. Não tanto pelo que já foi conquistado, mas pelo que ainda há de ser.