sábado, 18 de fevereiro de 2012

Tennessee Williams no Carnaval de São Paulo

Voltará em cartaz nesta segunda-feira, 20 de fevereiro, Alguns Blues do Tennessee, programa de três peças curtas do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams (1911-1983). 

Alguns Blues do Tennessee estreou em 2011, em comemoração aos 100 anos do nascimento de Williams. As peças que compõem esse programa são: O Quarto Escuro (The Dark Room, escrita ca. 1939), Verão no Lago (Summer at the Lake, escrita antes de 1939) e A Dama da Loção Antipiolho (The Lady of the Larkspur Lotion, escrita antes de 1942).


As informações abaixo não contém spoilers

O Quarto Escuro apresenta o embate entre a Sra. Pocciotti e a Srta. Morgan. Pocciotti é uma imigrante italiana radicada nos Estados Unidos e que administra o que restou de uma família esfacelada pela Depressão Econômica dos anos 1930. Seu marido está internado em um sanatório, ela não sabe o paradeiro de um dos filhos mais velhos, o outro afirma estar em Chicago. Além disso, ainda cuida de três filhos que moram com ela, dois rapazes e uma moça, Tina, que se trancafia no quarto escuro que dá título à peça. Morgan é a assistente social que visita Pocciotti a fim de entrevistá-la para verificar a possibilidade de que ela receba ajuda financeira do governo. Ao longo da conversa, porém, Pocciotti tenta se esquivar das perguntas. Aí entra a maestria de Williams na construção do diálogo que aos poucos revela o porquê das atitudes de Tina e de Pocciotti. 

Verão no Lago foi recentemente publicada no volume Mister Paradise e outras peças em um ato, com tradução de Rita Giovanna e Kadi Moreno, do Grupo TAPA. Nessa peça, o jovem Daniel Fenway se sente sufocado pela pressão recebida da mãe egoísta e do pai executivo, que deseja que o filho arranje um emprego e desista dos planos da universidade. Encurralado numa situação da qual não vê grandes chances de escapatória, Daniel se refugia no lago. Destaco uma frase da consciência de Daniel: "Paredes de tijolos e o concreto e as... escada de emergência pretas! É o que eu mais odeio - escadas de emergência! Será que eles acham que as pessoas que moram em apartamentos só precisam escapar de incêndios?" (Mister Paradise e outras peças em um ato, p. 136).

Foto de cena - Verão no Lago 

A Dama da Loção Antipiolho é, das três, a mais divertida - e nem por isso a menos ácida. Nela, a Sra. Hardwicke-Moore vive em uma pensão de terceira categoria no French Quarter (New Orleans), onde recebe homens profissionalmente. Para a Sra. Wire, a proprietária da pensão, porém, ela diz que descende de uma família rica e tradicional, e que possui terras no Brasil, cujos altos rendimentos lhe são enviados regularmente. Tudo mentira, menos para Hardwicke-Moore, que acredita em suas próprias fantasias, que divertem a proprietária até que a inquilina atrase o aluguel. No confronto entre as duas vem, entre outras tantas informações, a explicação para o título da peça. Para completar a cena, surge o Escritor, defendendo a inquilina. 

Leia a crítica de Beth Néspoli publicada no Estadão:

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,blues-afinado-do-grupo-tapa,732449,0.htm

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O instigante teatro do jovem Tennessee Williams pela leitura do Grupo TAPA

Quem só conhece os trabalhos canônicos do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams, tais como The Glass Menagerie (Zoológico de Vidro / À Margem da Vida),  A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo) e Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Teto de Zinco Quente), também vai se interessar em conhecer a sua produção anterior. As leituras dramáticas a serem realizadas pelo Grupo TAPA (veja o cartaz abaixo) englobarão três peças de um ato e um texto intitulado The Catastrophe of Success (A Catástrofe do Sucesso).

Sobre esse texto, é preciso dizer que Williams primeiramente publicou-o no The New York Times em 30 de novembro de 1947 (dias antes da estreia de Streetcar...) sob o título On a Streetcar Named Success (Num Bonde Chamado Sucesso), mais tarde expandindo-o para uma introdução da edição de The Glass Menagerie, peça que o elevou à categoria de grande autor da Broadway, com todos os benefícios e prejuízos que isso traria à sua carreira, é bom dizer.

As três peças cujas traduções serão dramatizadas são The Pink Bedroom (O Quarto Rosa), Mr. Paradise e  Escape (Fuga).

[Os trechos abaixo contém spoilers.]

Em Mr. Paradise, Garota visita Mr. Anthony Paradise (pseudônimo de Jonathan Jones) em sua esquálida residência. Ele é autor de um livro de poemas que ela alega ter mudado sua vida, querendo que ele se revele para o mundo. Ela planeja organizar palestras, leituras etc. para que ele seja reconhecido. A Garota tenta convencer Mr. Paradise, mas ele aos poucos dissolve os argumentos dela alegando que os tempos mudaram. 

O Quarto Rosa apresenta um casal discutindo a relação (no quarto rosa do título). A Mulher acusa o Homem de não ser o mesmo que era antes. Ao final, quando a mulher manda este amante embora, ela recebe um outro em seu quarto.

Em Fuga, três presidiários acompanham a tentativa de fuga de seu amigo Billy, que quer alcançar a linha do trem para fugir.Billy é perseguido por guardas e cães que querem capturá-lo vivo ou morto. 

Os enredos parecem simples e por vezes o são, mas é nos diálogos que se encontra a maestria de Williams, que rompe com a estrutura dramática, flagrando situações-limite. Em todas as peças, fica evidente como a estrutura sócio-histórica não é mero pano de fundo, como muitos a-do-ram dizer sobre a obra do autor. Também estão longe do pretenso "realismo psicológico" que o consagrou. Essa leitura é uma ótima oportunidade para quem quer conhecer um pouco mais a obra do autor. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sherlock Holmes continua científico e bem-humorado

Já está há quase um mês em cartaz Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows), o mais recente filme do diretor Guy Ritchie, que foi roteirizado por Michele Mulroney e Kieran Mulroney. Adaptar Conan Doyle para os dias de hoje não é uma missão fácil, porque exige de toda a equipe (especialmente roteiristas, diretor e elenco) uma tarefa dupla: respeitar as características do tempo histórico da narrativa,  final do século XIX/início do XX, e tornar o filme palatável para as plateias do início de nosso milênio. Os envolvidos têm sido felizes nessa missão, que já está no segundo filme (o primeiro foi intitulado apenas de Sherlock Holmes, sem subtítulo, e é de 2009). 


Se Sir Arthur Conan Doyle, o autor da série de livros que têm como figura central as peripécias do detetive da Baker Street, não foi o precursor das histórias de detetive (Edgar Allan Poe chegou primeiro...), ele tem o mérito de ter conseguido criar uma sequência de narrativas em uma época em que o cientificismo era uma marca. Assim, Doyle se apropriou dela para fazer de seu detetive um homem extremamente inteligente e sagaz, capaz de deduções lógicas incríveis a partir de elementos que, desconectados, não fariam o menor sentido. Essa é uma das marcas que o roteiro preservou em ambos os filmes: Sherlock continua usando sua perspicácia aliada a todo conhecimento científico que consegue absorver, o que faz dele o melhor detetive particular da Inglaterra (e ele sabe disso...). 

Holmes mostrando a Watson o mapa (ao fundo) que revela 
a conexão criminosa de vários crimes.

Um dos problemas desse tipo de adaptação é a questão do ritmo do filme. Aos olhos de hoje, as histórias do detetive pareceriam lentas se não houvesse um trabalho de adequação. Por isso, há cenas que lembram os efeitos de Matrix, nas quais o detetive calcula em câmera lenta golpes, escapadas e por aí vai. Essas cenas ajudam a dinamizar o filme. Há quem não goste desse tipo de efeito em filmes "de época", mas eles casam bem com a narrativa apropriadamente construída, isto é, o efeito é criado para enfatizar a narrativa e não para correr paralelo a ela, como um exibicionismo barato.

Uma cena em câmera lenta para mostrar a destreza de Holmes ao desarmar um guarda. 

O diretor e os atores também têm um trabalho árduo em fugir dos estereótipos. Holmes, interpretado por Robert Downey, Jr., tem o ego tão grande quanto sua inteligência, o que, porém, não o faz um ególatra simplista, pois depende constantemente do apoio de Watson, interpretado por Jude Law. Uma cena singela, mas representativa, em que isso fica claro acontece quando, no trem, Holmes está vestido de mulher e se justifica a Watson por não ter encontrado melhor disfarce. Ambos os atores investiram uma boa dose de humor em seus personagens. Assim, é impossível não adorar Holmes mesmo ele sendo quase insuportável, um sabichão autocentrado, mas que encanta porque sua fraqueza está justamente naquilo que é a fortaleza de Watson: os relacionamentos humanos. Jude Law imprime em seu Watson a serenidade dos médicos experientes, mas não deixa de exibir em alguns momentos variações de humor (sempre decorrentes de atos de Holmes, diga-se de passagem). Nas narrativas de Doyle, o humor também é marca presente.

Holmes se justificando pelo disfarce inapropriado.

Neste filme, o arqui-inimigo de Holmes se materializa. É o Professor James Moriarty, que no primeiro  apareceu apenas como voz e sombra. Interpretado por Jared Harris, Moriarty tenta criar uma guerra mundial (anterior à I Guerra) e aí entra um ponto interessantíssimo do filme, uma vez que Holmes aos poucos desvenda a meticulosa e cruel rede de armações que é criada a fim de fomentar a guerra, envolvendo os interesses dos que fabricam de armas a esparadrapo, dos envolvidos na diplomacia internacional nem sempre com objetos diplomáticos e daqueles que lucram executando serviços sanguinários a quem pode pagar altos preços. 

Em The Final Problem (O Último Problema), Holmes e Moriarty se enfrentam nas Cataratas 
de Reichenbach. Na história original, Holmes e Moriarty aparentemente caem nas águas e não 
são encontrados. O público se recusou a aceitar a morte do detetive, o que fez Doyle escrever novas
 aventuras para Holmes, que não  teria caído com Moriarty. [Desenho de Sidney Paget]

É bom ver que a literatura de detetive pode ser reinventada no cinema. Nesse aspecto, é muito fácil adaptar as aventuras de Sherlock Holmes do que as de Hercule Poirot, o detetive-herói, ou mesmo as de Miss Jane Marple, a velhinha curiosa, ambas criações de Agatha Christie. A autora optou por um caminho diferente de Doyle: para Christie, o que interessa é a psicologia dos personagens. Assim, Poirot e Miss Marple desvendam os crimes basicamente porque conversam com as pessoas e depois conseguem montar o quebra-cabeça. Agatha Christie foi grandemente influenciada pelas ideias de Sigmund Freud, que se espalhavam cada vez mais rapidamente em seu tempo. Temos, portanto, na ficção de Conan Doyle, o cientificismo, e na de Agatha Christie, a psicologia. Prova de que até mesmo a literatura dita de massa não escapa de seu tempo histórico. E com os filmes não é diferente... 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Precisamos falar sobre o Kevin. E sobre a televisão também.

Está em cartaz Precisamos Falar sobre o Kevin (We Need to Talk about Kevin), filme dirigido por Lynne Ramsay e baseado no romance homônimo de Lionel Shriver. É um filme cativante não pela doçura, mas pela forma bem engendrada - sem cair no artificialismo - como mostra a destruição da família Khatchadourian, composta pelo casal Eva (interpretada magnanimamente por Tilda Swinton) e Franklin (um ótimo papel para John C. Reilly) e seus filhos Kevin, o mais velho (cuja fase adolescente, a principal do filme, é interpretado pelo ótimo Ezra Miller) e Celia (interpretado pela atriz mirim Ashley Gerasimovich, que promete se destacar).

Cartaz do filme

A maioria das críticas que tenho lido tem focado na questão do sofrimento da mãe, das dúvidas que ela tem em relação à forma como criou o filho e da responsabilidade que carrega pelos gravíssimos e mortais malfeitos do garoto. Não vou entrar em detalhes sobre os tais malfeitos de Kevin, pois boa parte do filme, que se alicerça nos flashbacks de Eva, depende das informações que aos poucos vão sendo reveladas. O que acho curioso é que pouco estão falando sobre a influência da televisão sobre o garoto. Em uma dada cena, ele mesmo afirma para a mãe que as pessoas passam metade do seu tempo vendo os feitos de outras pessoas em rede nacional. Ele admira isso e conduz suas últimas e cruéis ações no filme no sentido de se expor publicamente em rede nacional.

Eva, após as atrocidades cometidas pelo filho, acaba indo trabalhar em uma agência
de viagens decadente, uma clara mostra de seu declínio profissional. 

Aí está o amplo escopo social que o filme abarca. Na minha opinião, é muito mais do que as dúvidas de uma mãe incerta da criação que propiciou. Criação, aliás, que inclui tudo que uma mãe normal faria: exceder às vezes no castigo físico, ausentar-se por questões de trabalho, ter dias em que não aguenta o choro etc. (Quem teve mães absolutamente perfeitas que então condene a personagem Eva e aumente um centímetro o  tamanho do nariz). Trata-se da incapacidade de lutar contra o mundo da espetacularidade, que tanto seduz e fascina os jovens (mas não somente). Há uma cena em que o filho olha o cartaz do lançamento do livro da mãe em uma livraria (ela é uma escritora-viajante) e depois ele nega ter visto, muito provavelmente porque não aguenta admitir que ela tem alguma projeção pública, algo que ele muito deseja. 

Após ter cuidadosamente personalizado as paredes de seu quarto com mapas, 
Eva vê o filho Kevin pintando as paredes para provocá-la. 
Ele diz que está ajudando-a a dar personalidade ao quarto. 

Não basta para Kevin entrar para o mundo do espetáculo (ser ator, cantor, repórter etc.), ele precisa ser o espetáculo, ele precisa que os holofotes recaiam todos sobre ele. Lembrei-me que Pânico 4 (Scream 4) trabalhou essa questão, embora o tenha feito em chave de suspense e comédia. Nesse filme, a personagem-assassina revela-se ao final com a seguinte frase: "Eu não preciso de amigos, eu preciso de fãs". E para isso ela planejara alguns assassinatos, embora tivesse quase que com sucesso fazer a culpa recair sobre outros. Kevin procura a fama e também a heroização. Quem viu Mamãe é de Morte (Serial Mom), de John Walters, entende bem como alguém capaz de atrocidades pode se transformar em herói midiático sem muito esforço. 

Kevin com a irmã Celia, a quem ele constantemente chama de 
"retardada" e "idiota", além de fazê-la de empregada. A irmã 
não escapa de suas maldades ao longo da narrativa. 

Eva sofre bastante mesmo após o filho ter suas ações cruéis interrompidas. É agredida física e moralmente na rua por familiares de pessoas que ele atacou, vê sua casa e carro com enormes manchas de tinta vermelha. Em uma festa, um colega da agência de viagens a chama para dançar e quando ela recusa, ouve algo do tipo "Quem você pensa que é, sua vadia?". Os personagens não deixam de associar a culpa à mãe do responsável. De certa forma, eu arriscaria dizer que muitas críticas e também muitos espectadores estão caindo no mesmo processo: vendo o filme pela ótica da culpa que deve recair sobre uma pessoa. 

Kevin jogando vídeo-game com o pai e 
gritando "Morra!" para os personagens do jogo. 

Parece-me que muito mais interessante do que discutir os erros e acertos da mãe na criação de Kevin é realmente entender o fascínio que a televisão exerce especialmente sobre os mais jovens. Desejos imensuráveis de fama, exposição e reconhecimento há algum tempo já cruzaram o limite da ética e do bom senso. O filme cativa a quem consegue experienciar a perplexidade de Eva diante de toda essa situação.