domingo, 25 de março de 2012

O autor à frente de seu público - o caso "Fina Estampa"

O final de Fina Estampa está causando uma verdadeira enxurrada de comentários, especialmente no Facebook. Um verdadeiro mar de pessoas sofredoras, indignadas, tristes, revoltadas etc. com o final da novela. Comecei a me perguntar por que o final foi tão decepcionante assim (não para mim, claro!) e aqui tentarei traçar algumas questões. 



Todos queriam saber quem era o amante de Crô, o tal com o escorpião tatuado no pé. Pois bem, Aguinaldo Silva não quis nomear um personagem, deixou a questão em aberto. Isso magoou muita gente, afinal é muito importante (especialmente para os heterossexuais, diga-se de passagem, mas não exclusivamente, que fique claro) saber quem é gay e quem não é. Um gay à solta sem identificação muitas vezes "prejudica os trabalhos" dos heterossexuais: homens heterossexuais  não sabem se o amigão do peito que eles julgam tão macho quanto a si mesmos pode ter uma vida paralela e mulheres heterossexuais ficam em dúvida se o "homem" com quem estão saindo ou desejam é realmente  o macho alfa com quem elas vão casar e ter filhos. Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter entregado um nome ao público. Ainda hoje há mais gays trancadinhos no armário do que fora dele. Muitos gays de armário, por exemplo, são casados, têm filhos, jogam futebol etc., portanto é muito bom ter deixado essa "dica" para o público: o amante de Crô pode ser qualquer um. É mais importante saber que ele existe do que saber quem ele é. 

E Baltazar, era gay? Também correrá por conta da imaginação do público. Ele diz a Crô: "Estou aqui te pedindo para sair do armário. Ou melhor, estou te implorando, porque a vida não tem a menor graça sem você aqui fora." Uma declaração de amor torta, como disseram alguns? Não necessariamente. Será que seu pedido de que Crô saia do armário não é o seu próprio desejo de sair? É uma possibilidade. O que aconteceu antes dessa suposta declaração torta não pode ser deixado de lado. Baltazar foi abusivo (física e emocionalmente) com a esposa e a filha boa parte da novela, o que poderia ser um sinal de ódio a elas (e por extensão ao convívio familiar), uma forma de externar o desejo reprimido de ter uma vida com outro homem (ou uma vida sem família, por que não?). A sua constante negação de ser gay também é outro fator. Ninguém precisa ter feito curso de psicanálise para saber que muitas vezes as negações significam afirmações e vice-versa. Afinal, ele continua trabalhando para Crô. Se tinha tanta aversão a gays assim, por que vai aceitar ter um como patrão e não procurar outro emprego? Ele é um motorista experimentado, há anos na função. A própria Tereza Cristina disse repetidas vezes que só não o demitia porque ele era um profissional bem treinado para a função. Essa foi outra construção excelente de Aguinaldo Silva. Ao final, o autor não diz que sim, nem que não, deixa a questão para se pensar, ao mesmo tempo em que dá uma belíssima bordoada em boa parte dos gays: Crô diz que fundou o Centro de Amparo ao Homossexual Pintoso porque os pintosos (afeminados) são os que mais sofrem preconceito, inclusive dos próprios gays. O que poderia ser um discurso unilateral, ganha força pela capacidade de o autor mostrar que em questões desse tipo criar uma "guerrinha de sexos" não leva a nada.. 

E a Tereza Cristina, que voltou com uma bela gargalhada escrachada? Ótimo, na minha opinião. No país em que vivemos, onde a justiça faz troça com a cara da população todos os dias, uma personagem como ela não merecia morrer nem ficar louca (que seriam finais aceitáveis até o final da década de 1990). Sua volta me fez lembrar a vitória de Maria de Fátima em Vale Tudo, quando no último capítulo ela deixa o filho com a  mãe e vai viver com o marido nobre, um casamento rentável e que lhe permite manter o amante. No final da década de 1980, Vale Tudo antecipava um comportamento que viria a se tornar comum: a busca desenfreada por dinheiro e status. Acredito que Fina Estampa não antecipa um comportamento, mas esfrega um na cara do público: quem tem dinheiro faz praticamente o que quer, pois a justiça é lenta lentíssima para enquadrá-los. Quem acompanhou a novela viu isso claramente. Mais importante do que achar ridículo ou legal Tereza Cristina ter voltado, é entender o porquê da volta. E Griselda faz parte disso, afinal ela foi a mulher correta, guerreira, que não fez nada de errado, que criou os filhos com sacrifício e blá blá blá, mas para pessoas como Tereza Cristina ela não é nada (mesmo com 50 milhões na conta) e nunca será, pois tais dignidades não contam. Sua risada escrachada no final devolve à heroína Griselda a vulnerabilidade que ela pensava não ter mais. Em um mundo com tantas Terezas Cristinas à solta, talvez a única solução seja contar com o final que teve Odete Roitman: um assassinato, ainda que por engano - contras as mentalidades, não as pessoas, evidentemente...






Parabéns, Aguinaldo Silva, por não ter escrito um final óbvio! Te aguardo na sua próxima novela das nove!


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