quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sherlock Holmes continua científico e bem-humorado

Já está há quase um mês em cartaz Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows), o mais recente filme do diretor Guy Ritchie, que foi roteirizado por Michele Mulroney e Kieran Mulroney. Adaptar Conan Doyle para os dias de hoje não é uma missão fácil, porque exige de toda a equipe (especialmente roteiristas, diretor e elenco) uma tarefa dupla: respeitar as características do tempo histórico da narrativa,  final do século XIX/início do XX, e tornar o filme palatável para as plateias do início de nosso milênio. Os envolvidos têm sido felizes nessa missão, que já está no segundo filme (o primeiro foi intitulado apenas de Sherlock Holmes, sem subtítulo, e é de 2009). 


Se Sir Arthur Conan Doyle, o autor da série de livros que têm como figura central as peripécias do detetive da Baker Street, não foi o precursor das histórias de detetive (Edgar Allan Poe chegou primeiro...), ele tem o mérito de ter conseguido criar uma sequência de narrativas em uma época em que o cientificismo era uma marca. Assim, Doyle se apropriou dela para fazer de seu detetive um homem extremamente inteligente e sagaz, capaz de deduções lógicas incríveis a partir de elementos que, desconectados, não fariam o menor sentido. Essa é uma das marcas que o roteiro preservou em ambos os filmes: Sherlock continua usando sua perspicácia aliada a todo conhecimento científico que consegue absorver, o que faz dele o melhor detetive particular da Inglaterra (e ele sabe disso...). 

Holmes mostrando a Watson o mapa (ao fundo) que revela 
a conexão criminosa de vários crimes.

Um dos problemas desse tipo de adaptação é a questão do ritmo do filme. Aos olhos de hoje, as histórias do detetive pareceriam lentas se não houvesse um trabalho de adequação. Por isso, há cenas que lembram os efeitos de Matrix, nas quais o detetive calcula em câmera lenta golpes, escapadas e por aí vai. Essas cenas ajudam a dinamizar o filme. Há quem não goste desse tipo de efeito em filmes "de época", mas eles casam bem com a narrativa apropriadamente construída, isto é, o efeito é criado para enfatizar a narrativa e não para correr paralelo a ela, como um exibicionismo barato.

Uma cena em câmera lenta para mostrar a destreza de Holmes ao desarmar um guarda. 

O diretor e os atores também têm um trabalho árduo em fugir dos estereótipos. Holmes, interpretado por Robert Downey, Jr., tem o ego tão grande quanto sua inteligência, o que, porém, não o faz um ególatra simplista, pois depende constantemente do apoio de Watson, interpretado por Jude Law. Uma cena singela, mas representativa, em que isso fica claro acontece quando, no trem, Holmes está vestido de mulher e se justifica a Watson por não ter encontrado melhor disfarce. Ambos os atores investiram uma boa dose de humor em seus personagens. Assim, é impossível não adorar Holmes mesmo ele sendo quase insuportável, um sabichão autocentrado, mas que encanta porque sua fraqueza está justamente naquilo que é a fortaleza de Watson: os relacionamentos humanos. Jude Law imprime em seu Watson a serenidade dos médicos experientes, mas não deixa de exibir em alguns momentos variações de humor (sempre decorrentes de atos de Holmes, diga-se de passagem). Nas narrativas de Doyle, o humor também é marca presente.

Holmes se justificando pelo disfarce inapropriado.

Neste filme, o arqui-inimigo de Holmes se materializa. É o Professor James Moriarty, que no primeiro  apareceu apenas como voz e sombra. Interpretado por Jared Harris, Moriarty tenta criar uma guerra mundial (anterior à I Guerra) e aí entra um ponto interessantíssimo do filme, uma vez que Holmes aos poucos desvenda a meticulosa e cruel rede de armações que é criada a fim de fomentar a guerra, envolvendo os interesses dos que fabricam de armas a esparadrapo, dos envolvidos na diplomacia internacional nem sempre com objetos diplomáticos e daqueles que lucram executando serviços sanguinários a quem pode pagar altos preços. 

Em The Final Problem (O Último Problema), Holmes e Moriarty se enfrentam nas Cataratas 
de Reichenbach. Na história original, Holmes e Moriarty aparentemente caem nas águas e não 
são encontrados. O público se recusou a aceitar a morte do detetive, o que fez Doyle escrever novas
 aventuras para Holmes, que não  teria caído com Moriarty. [Desenho de Sidney Paget]

É bom ver que a literatura de detetive pode ser reinventada no cinema. Nesse aspecto, é muito fácil adaptar as aventuras de Sherlock Holmes do que as de Hercule Poirot, o detetive-herói, ou mesmo as de Miss Jane Marple, a velhinha curiosa, ambas criações de Agatha Christie. A autora optou por um caminho diferente de Doyle: para Christie, o que interessa é a psicologia dos personagens. Assim, Poirot e Miss Marple desvendam os crimes basicamente porque conversam com as pessoas e depois conseguem montar o quebra-cabeça. Agatha Christie foi grandemente influenciada pelas ideias de Sigmund Freud, que se espalhavam cada vez mais rapidamente em seu tempo. Temos, portanto, na ficção de Conan Doyle, o cientificismo, e na de Agatha Christie, a psicologia. Prova de que até mesmo a literatura dita de massa não escapa de seu tempo histórico. E com os filmes não é diferente... 

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