Está em cartaz Precisamos Falar sobre o Kevin (We Need to Talk about Kevin), filme dirigido por Lynne Ramsay e baseado no romance homônimo de Lionel Shriver. É um filme cativante não pela doçura, mas pela forma bem engendrada - sem cair no artificialismo - como mostra a destruição da família Khatchadourian, composta pelo casal Eva (interpretada magnanimamente por Tilda Swinton) e Franklin (um ótimo papel para John C. Reilly) e seus filhos Kevin, o mais velho (cuja fase adolescente, a principal do filme, é interpretado pelo ótimo Ezra Miller) e Celia (interpretado pela atriz mirim Ashley Gerasimovich, que promete se destacar).
Cartaz do filme
A maioria das críticas que tenho lido tem focado na questão do sofrimento da mãe, das dúvidas que ela tem em relação à forma como criou o filho e da responsabilidade que carrega pelos gravíssimos e mortais malfeitos do garoto. Não vou entrar em detalhes sobre os tais malfeitos de Kevin, pois boa parte do filme, que se alicerça nos flashbacks de Eva, depende das informações que aos poucos vão sendo reveladas. O que acho curioso é que pouco estão falando sobre a influência da televisão sobre o garoto. Em uma dada cena, ele mesmo afirma para a mãe que as pessoas passam metade do seu tempo vendo os feitos de outras pessoas em rede nacional. Ele admira isso e conduz suas últimas e cruéis ações no filme no sentido de se expor publicamente em rede nacional.
Eva, após as atrocidades cometidas pelo filho, acaba indo trabalhar em uma agência
de viagens decadente, uma clara mostra de seu declínio profissional.
Aí está o amplo escopo social que o filme abarca. Na minha opinião, é muito mais do que as dúvidas de uma mãe incerta da criação que propiciou. Criação, aliás, que inclui tudo que uma mãe normal faria: exceder às vezes no castigo físico, ausentar-se por questões de trabalho, ter dias em que não aguenta o choro etc. (Quem teve mães absolutamente perfeitas que então condene a personagem Eva e aumente um centímetro o tamanho do nariz). Trata-se da incapacidade de lutar contra o mundo da espetacularidade, que tanto seduz e fascina os jovens (mas não somente). Há uma cena em que o filho olha o cartaz do lançamento do livro da mãe em uma livraria (ela é uma escritora-viajante) e depois ele nega ter visto, muito provavelmente porque não aguenta admitir que ela tem alguma projeção pública, algo que ele muito deseja.
Após ter cuidadosamente personalizado as paredes de seu quarto com mapas,
Eva vê o filho Kevin pintando as paredes para provocá-la.
Ele diz que está ajudando-a a dar personalidade ao quarto.
Não basta para Kevin entrar para o mundo do espetáculo (ser ator, cantor, repórter etc.), ele precisa ser o espetáculo, ele precisa que os holofotes recaiam todos sobre ele. Lembrei-me que Pânico 4 (Scream 4) trabalhou essa questão, embora o tenha feito em chave de suspense e comédia. Nesse filme, a personagem-assassina revela-se ao final com a seguinte frase: "Eu não preciso de amigos, eu preciso de fãs". E para isso ela planejara alguns assassinatos, embora tivesse quase que com sucesso fazer a culpa recair sobre outros. Kevin procura a fama e também a heroização. Quem viu Mamãe é de Morte (Serial Mom), de John Walters, entende bem como alguém capaz de atrocidades pode se transformar em herói midiático sem muito esforço.
Kevin com a irmã Celia, a quem ele constantemente chama de
"retardada" e "idiota", além de fazê-la de empregada. A irmã
não escapa de suas maldades ao longo da narrativa.
Eva sofre bastante mesmo após o filho ter suas ações cruéis interrompidas. É agredida física e moralmente na rua por familiares de pessoas que ele atacou, vê sua casa e carro com enormes manchas de tinta vermelha. Em uma festa, um colega da agência de viagens a chama para dançar e quando ela recusa, ouve algo do tipo "Quem você pensa que é, sua vadia?". Os personagens não deixam de associar a culpa à mãe do responsável. De certa forma, eu arriscaria dizer que muitas críticas e também muitos espectadores estão caindo no mesmo processo: vendo o filme pela ótica da culpa que deve recair sobre uma pessoa.
Kevin jogando vídeo-game com o pai e
gritando "Morra!" para os personagens do jogo.
Parece-me que muito mais interessante do que discutir os erros e acertos da mãe na criação de Kevin é realmente entender o fascínio que a televisão exerce especialmente sobre os mais jovens. Desejos imensuráveis de fama, exposição e reconhecimento há algum tempo já cruzaram o limite da ética e do bom senso. O filme cativa a quem consegue experienciar a perplexidade de Eva diante de toda essa situação.
Um comentário:
Pois é, Ale, eu nem quis entrar na questão do nome para escapar do tema da responsabilidade feminina, que sem dúvida alguma é presente, mas para mim não é o mais importante. Gostei muito desse filme, a cena inicial dela naquela Tomatina e a construção dos flashbacks dão pano pra manga a muitas discussões, não é?
Não vi "Beautiful Boy", vou ter que alugar, pois sou péssimo com downloads...
Abraços!
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