quinta-feira, 8 de março de 2012

Não se nasce mulher. Torna-se mulher.

Essa frase-constatação está no livro O Segundo Sexo, que Simone de Beauvoir publicou em 1949. Me impressiona ver que após 63 anos da publicação de um livro seminal como este ainda existam mulheres da nova geração que acreditem que ser mulher é uma questão apenas biológica, que vem acompanhada de um pacote de comportamentos fixos.

Simone de Beauvoir - filósofa e ficcionalista francesa

Replicam-se por estes dias os clichês nas redes sociais - especialmente por causa do Dia Internacional da Mulher - sobre a "alma", a "essência", o "verdadeiro" sentido de ser mulher. Nesses clichês, a mulher é esposa, é mãe, trabalha fora, é dona-de-casa, vai a todas as festinhas de família, tudo isso conciliado com a academia, o regime, estando bonita para o marido e para as amigas. Enfim, é uma mulher praticamente biônica. E eu sempre me perguntei: qual é a grande vantagem disso? 

As mulheres ganham, em média, 25% menos que os homens. A alegação mais comum recai sobre o fato de que elas engravidam e oneram a folha de pagamento, já que ficam muitos meses afastadas. Pois bem, se as mulheres não engravidassem, a vida no planeta acabaria em menos de cem anos, não é mesmo? Portanto, isso não é desculpa. Só elas geram filhos, então não podem ser penalizadas por isso. O curioso é que na época do Dia das Mulher todo mundo fala da "dádiva" feminina de dar à luz, mas na hora de pôr a mão no bolso, aí a dádiva se torna um transtorno.

A ditadura da beleza, embora hoje recaia sobre os homens também, é muito mais cruel com as mulheres. Basta ver os comerciais de cerveja: elas estão sempre lindas, gostosas, exalam sexualidade e nenhum cérebro. Os homens são sempre os espertos, têm comportamentos abusivos - em um comercial que está indo ao ar agora, eles se tornam invisíveis e se dão o direito de tocá-las, enquanto elas apenas correm soltando gritinhos infantis. Não é à toa que em outros países (os nórdicos, por exemplo), esse tipo de comercial não teria sequer a chance de ser exibido.

Um comercial machistoide (um entre tantos, infelizmente)


No Brasil, ainda há uma grande parcela de mulheres acreditando que o curso natural de suas vidas é se casar e ter filhos. Nada contra o casamento e as crianças, mas isso deve ser algo pensado como escolha, não como uma condição para uma vida feliz.

O feminismo hoje ainda tem muito a dizer, basta as mulheres quererem ouvir. E a primeira dificuldade talvez seja entender o feminismo na raiz de suas propostas. Assim, as mulheres que ainda aceitam que os passos de suas vidas sejam ditados pelos interesses alheios (dos homens, claro) poderão refletir sobre as contribuições do movimento, olhando-o com seus próprios olhos e não pelo filtro que os homens criaram para combater o movimento - afirmando, por exemplo, que toda feminista era mal amada, ou lésbica, ou detestava os homens. Esse tipo de ataque ao feminismo visava única e tão somente enfraquecer o movimento e reforçar que as mulheres felizes eram aquelas que tinham marido, filhos e uma casa para se ocupar. 

Se não me engano foi a feminista norte-americana Gloria Steinem quem disse: "Uma mulher precisa de um homem como um peixe precisa de uma bicicleta". A frase, tomada no sentido do ódio aos homens, talvez tenha afastado muitas mulheres do movimento. Mas fez com que outras se aproximassem e entendessem o verdadeiro sentido do que ela disse: a mulher não precisa do homem, ela se relaciona com ele e esse relacionamento deve ser bom para ambos, não apenas para ele. No sentido da necessidade, a mulher realmente não precisa de ninguém além dela mesma (e o mesmo vale para os homens).

Gloria Steinem explica o feminismo (sem legendas)

O que em geral as pessoas veem como radicalismo das feministas - chamadas por alguns de feminazistas (quem diz isso nem deve ter noção do horror que foi o nazismo...) - na verdade não passa do profundo desejo de manter a mulher "no seu lugar", ou seja, prosseguir com a opressão. Porque o que as feministas têm cobrado ao longo das décadas é simplesmente aquilo que diz respeito à igualdade (econômica, social, política etc.) de gênero, respeitando as diferenças intrínsecas entre os gêneros. Mas o primeiro argumento dos machistas de plantão é sempre esse: "Ah, vocês querem condições iguais, então venham carregar pacote de 30 quilos". 

E esse tipo de argumento não para por aí. Uma mulher não está de bom humor, então é mal amada ou está de TPM. Um homem não está de bom humor, ninguém fala nada. Uma mulher faz denúncias contra o marido, ela é louca, recalcada. Um homem faz denúncias contra a mulher, ele é corajoso. O cabelo da mulher não está arrumado, ela é desleixada, não se cuida, está com problemas. Se for o homem, ninguém nem comenta. Isso sem entrar realmente no mérito das mulheres que são atacadas terem posturas firmes - vide Margaret Thatcher, Angela Merkel e Dilma Roussef, entre tantas - taxadas de serem masculinas no visual e nas atitudes, como se toda mulher tivesse que ter aparência de Barbie e delicadeza das palacianas do século XIX.

Dilma Rousseff e Margaret Thatcher
Dilma Roussef e Margaret Thatcher: gostando-se ou não da atuação das mulheres 
na política, o preconceito de gênero as acompanha constantemente.

Como bem escreveu Simone de Beauvoir, "Não se nasce mulher. Torna-se mulher". O desafio, portanto, é se livrar dos estereótipos cotidianamente lançados e ter o desejo de se reinventar para sim, não para os outros.

Muitos põem em dúvida a necessidade de um Dia Internacional da Mulher como o 8 de março. A alegação mais esdrúxula é que não existe um dia do homem. Claro, os homens nunca foram oprimidos em termos de gênero. Nunca houve, pelo menos em massa, uma sociedade matriarcal que oprimisse os homens. Os homens não precisam de um dia para lembrar que sofrem com a desigualdade simplesmente pelo fato de que eles não sofrem!

Sendo assim, desejo a todas as mulheres não um feliz, mas um reflexivo Dia Internacional da Mulher. Não tanto pelo que já foi conquistado, mas pelo que ainda há de ser.


2 comentários:

NELSON RAMOS JUNIOR disse...

Ótimo e reflexivo texto Fulvio.
Parabéns!

NELSON RAMOS JUNIOR disse...

Fulvio,

feliz Dia do Blogueiro!
Espero que você continue por muito tempo na blogosfera.
Abração!